AUTOCRIAÇÃO INDEFINIDA

Por Pedro J. Bondaczuk

A nossa vida, do berço à tumba, mesmo que não venhamos a nos dar conta, é um permanente e contínuo processo de criação. Ou, para ser mais exato, é ininterrupta autocriação. Seremos o que conseguirmos fazer de nós: santos ou demônios, poetas ou artesãos, filósofos ou cientistas, milionários ou mendigos etc.etc.etc.

Crédito da Imagem. Amanda Midori. Todos os direitos reservados.

Claro que teremos que levar em conta, como destacou o filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, as nossas “circunstâncias”. Alguns conseguem adaptar-se a elas, quando benignas, ou modificá-las, se aziagas, e construir vidas exemplares e admiráveis. Outros (diria a maioria)… Deixam-se esmagar por elas e criam figuras caricatas, patéticas, ridículas e sofredoras, dignas de pena e jamais de admiração.

O processo de autocriação caracteriza-se por contínuas e sucessivas mudanças. Algumas são completas, radicais e incisivas. Outras, são parciais, muitas vezes imperceptíveis (afinal, ninguém muda o que vem dando certo, embora possa e deva aperfeiçoá-lo). Mas autocriar-se significa sempre mudar, mudar e mudar.

Quanto às mudanças físicas, creio que sequer é necessário tecer maiores considerações, tão óbvias que elas são. Se você já tiver vivido, digamos, cinqüenta anos, faça a seguinte experiência: pegue alguma foto sua, quando você tinha, por exemplo, cinco anos de idade e compare-a com outra recente, tirada há alguns dias. Provavelmente não se reconhecerá, tantas foram as mudanças ocorridas na sua aparência. O tempo é implacável e deixa marcas em nosso corpo, algumas discretas e outras arrasadoras, dependendo do quanto você cuidou da sua saúde.

Se você era cabeludo, possivelmente estará calvo, agora, ou com grandes entradas nos cabelos. Se enxergava perfeitamente, poderá estar usando óculos de grau, para a correção de alguma miopia ou de astigmatismo ou sabe-se lá o quê. Se tinha dentes saudáveis, pode ser que use dentadura e assim por diante.

Essas são mudanças que ocorrem à sua revelia. Pouco, ou nada, você pode fazer para evitá-las. Pode, no máximo, retardar e, mesmo assim, não por muito tempo, esse desgaste. As mudanças serão mais suaves ou severas, de acordo com as circunstâncias que enfrentar.

Já as alterações psicológicas que você, certamente, terá, tenderão a ser mais profundas, radicais até, quem sabe. Nesse seu processo de autocriação, muitos dos seus ideais mais caros da juventude, por exemplo, ficarão pelo caminho. Outros tantos poderão (ou não) ser adquiridos. Dependerá de você e dos valores que você cultivar. Muitos não cultivam nenhum e descambam para a violência e a marginalidade.

Dificilmente, porém, você irá raciocinar da mesma forma que o fazia já nem digo na infância, mas na adolescência e início do que se convencionou chamar de “maturidade”. Certamente, todavia, não vai encarar o mundo e a vida de idêntica maneira.

Se souber cultivar idéias positivas, é provável que os encare como bênção, dádiva, privilégio. Se, em contrapartida, apostar no negativo, irá encará-los como castigo, como punição, como o autêntico inferno, tão propalado (e fantasiado) por várias religiões.

Nesse aspecto, sim, sua interferência nesse processo de mudança será fundamental, se não decisiva. A opção será sua. Claro que terá que se haver com suas circunstâncias (todos têm). Se estas forem desfavoráveis, mas você tiver força mental e moral para modificá-las, ainda assim se sentirá realizado e feliz. E esses sentimentos de realização e felicidade serão mais gratos quanto maiores e mais severos forem os obstáculos que você transpuser. Caso se entregue, porém, ao desalento e à depressão, terminará, fatalmente, seus dias sobre a Terra descrente, amargurado e frustrado.

E, se suas circunstâncias forem benignas, favoráveis e positivas? Neste caso, compete-lhe aproveitar todas as oportunidades (cada uma delas, sem exceção) que surgirem em seu caminho, para se realizar enquanto profissional e, principalmente, enquanto pessoa. Muitos não aproveitam e têm, na velhice, o desprazer de ver a maré virar.

Da minha parte, acho fascinante este processo de autocriação. Fico, a cada instante, indagando: Qual “Pedro” irá emergir, após tantas e tão profundas mudanças? Não tenho a mais pálida idéia (ninguém a tem) quanto ao resultado final.

Essa é uma constatação que ficará a cargo da posteridade, caso me enquadre em algum dos extremos (só eles são dignos de registro): vencedor ou fracassado. Compete-me fazer, da melhor maneira, a minha parte, aproveitar ou transformar minhas “circunstâncias” e deixar a constatação do “produto final” por conta dos que me sucederem. Não há outra alternativa.

Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor do livro “Por Uma Nova Utopia”

Texto publicado conforme autorização por escrito do Site Planeta News.

Postado Por Lison Costa.

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13 Comentários em “AUTOCRIAÇÃO INDEFINIDA”

  1. Derleit Says:

    Olá Lison!
    Parabéns pela escolha de texto, é um conteúdo e tanto.
    Falarmos de nós mesmos, e tentar nos corrigir, não é uma tarefa fácil.
    Porém seremos mediocres se não tentarmos.

    Abraço!

  2. Fernandez Says:

    Olá amigo Lison!
    Excelente texto. Com grande reflexões sobre um tema muito interessante.
    O grande desafio do ser humano é conseguir mudar positivamente. Evoluir. Feliz de quem consegue.
    Forte abraço, Fernandez.


  3. Olá!

    A vida, entre tantas beleza, maravilhas e ensinamentos, nos faz refletir e pensar sobre coisas que mudam em nossa própria vida. Coisas que fazíamos com tanta destreza, mas não conseguimos fazer com a mesma perfeição de antes. A vida é um fardo que nos faz alegrar sempre de vivê-la.

    Abraços

    Francisco Castro

  4. Luísa Says:

    Olá Lison,

    Muito interessante esta visão de autocriação. No fundo é a nossa própria adaptação à vida de uma forma positiva e construtiva. Saber viver em harmonia com o que nos rodeia.

    Grande abraço
    Luísa

  5. Joselito Says:

    Grande Lison, muito interessante, peguei uma foto minha de quando tinha 5 anos, e vi como era lindo, e ai olhei uma atual …. viche … não mudei nada.

  6. Valéria Says:

    Lisonn …. adorei, amei, é tudo no que acredito na vida desde que comecei a pensar como gente (não que eu tenha sido animal antes…kkkkk).
    Sempre acreditei em transformação constante, em cada transformação uma nova dimensão da vida, em cada nova dimensão da vida uma descoberta…..
    Viver é transformar o corpo, a mente, a alma a própria vida… e se pra melhor ou pior aí vai depender das escolhas de transformação que vamos fazendo ao longo da jornada.
    Beijo enorme no seu coração

  7. carol cunha Says:

    Muitas vezes penso ser a transformaçào um tipo de ascensão..de renovaçao interior pela experiencia vivida…gosto mmuito da história da águia q em determina fase da vida se recolhe e comça um transforçao..mudando todo o seu exterior..partindo depois para seu voo triunfal..com nova vestimenta.. com nova visão do mundo..
    assim q vejo ação do tempo na nossa vida


  8. Olá Lisonn.

    Eu, particularmente, não consigo me identificar com nenhum de meus alter-egos do passado, por outro lado, cada um deles foi vivido com muita intensidade. Eu diria que minha mente não evoluiu muito através dos anos, apenas o corpo, assim, eu os entendo a todos: o bebê, o garoto, a criança, o adolescente e o jovem.

    Ás vezes sinto que, mesmo não os reconhecendo na aparência, eles me completam, minha existência depende de suas experiências, por isso sempre me pego em busca de meus eus do passado, sem os quais não conseguiria preparar o futuro.

    Obrigado pela indicação.

    ABS


  9. Eh Lison,sempre olho o tempo que vou gastar para ler a materia que V. publica e nunca me arrependo pela Sua escolha do texto!Concordo, endosso e aplaudo.

  10. Ebrael Shaddai Says:

    Frater,

    Com certeza, as mudanças psicológicas são as mais fáceis de identificar. As físicas, apesar de serem progressivamente (e aparentemente) inevitáveis, não são, de forma nenhuma, distintivos de atividades (ou a falta de) autocriativas.

    Um rosto castigado por agruras e pelo tempo pode voltar a brilhar ao ver um novo Amor, mas um rosto com pele “recém-fabricada” (pela Vida ou cirurgias plásticas) pode se tornar “a visão do inferno”, quando externa a inveja e a perversidade.

    Mas, como acredito que no Mundo-Dos-Que-Já-Foram todos são o que suas mentes cristalizaram, um dia todas as máscaras cairão, todas as criações artificiais que o dinheiro na Terra pode comprar se desfarão, e todos serão cristalinamente o qe realmente pensaram ser.

    Abçs e PP!!


  11. Oi Lison, que texto forte! adorei.
    abs

  12. erickfigueiredo Says:

    Exuberante texto que demonstra que, de forma aparentemente imperceptível, estamos sempre a evoluir. Acabando por nos tornar, em parte, criadores daquilo que somos.


  13. Muito legal Lison,

    Texto muito reflexivo.

    O nosso dia-a-dia é um laboratório onde ininterruptamente devemos fazer “escolhas”.

    Essas “escolhas” no presente é que ditarão quem seremos no futuro.

    Um abraço.

    Drauzio Milagres


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